Exercícios na gravidez

Tenho recebido algumas sugestões de temas para o blog, sendo que um dos mais recorrentes é quais as atividades físicas recomendadas para gestantes e os riscos envolvidos. Pedi ajuda para minha companheira de hidroginástica no Espaço Bella Gestante Bianca Bergallo Bettoni, que administra a academia Fisilabor – Jockey Club. Bianca convidou então o professor de educação física da UFRJ e coordenador da academia Danny Dias para escrever às leitoras do blog algumas orientações. Confiram:

Exercício físico e gravidez

Durante um dia normal de trabalho, recebo a seguinte mensagem:
– Professor, precisamos conversar sobre nossos treinos.
Naquele momento, inúmeras coisas passaram em minha cabeça, principalmente as negativas. Mas quando a revelação foi feita, me tranquilizei imediatamente:
– Professor, estou grávida!
Em seguida, veio a pergunta:
– Nossos treinos não mudarão, certo?
Eu respondo:
– Lógico que não. Vamos continuar fazendo treino de força e aeróbio.
Antes de mais nada, é importante definir alguns conceitos que causam muita confusão tanto entre médicos quanto entre pacientes e até mesmo entre profissionais de educação física. Atividade física é qualquer movimento corporal que conseguimos realizar tendo como consequência um gasto energético acima do basal. Dançar numa festa, nadar, caminhar com o cachorro, brincar com o filho etc.
Exercício é um tipo de atividade física mais estruturado, orientado por um profissional, e que envolve intensidade, frequência e duração. Seu objetivo é a melhora da aptidão física e, por conseguinte, da saúde. Musculação, hidroginástica, pilates, entre outros.
Esporte é um tipo de atividade física competitiva institucionalizada que envolve esforço físico vigoroso ou uso de habilidades motoras relativamente complexas e onde conceitos de rendimentos são aplicados.
A participação regular de grávidas em um programa de exercícios físicos é necessária, pois pode melhorar o condicionamento fisiológico materno, restringir o ganho de massa corporal sem comprometer o desenvolvimento fetal e ainda facilitar a recuperação pós-parto. Outros benefícios da atividade física na gestante são o auxílio no retorno venoso, prevenindo o aparecimento de varizes de membros inferiores e a melhora nas condições de irrigação da placenta. A mulher grávida deve ingressar em atividades que lhe garantam prazer e bem-estar, desde que ela tenha sido submetida a uma avaliação médica e que não apresente anormalidades físicas nem complicações com a gestação.
No entanto, uma proporção substancial de mulheres para de se exercitar ou diminui o nível de atividade física após descobrir a gravidez. Poucas começam a participar de atividades de exercício ou esporte. O início ou a manutenção de um estilo de vida sedentário durante a gestação pode contribuir para o desenvolvimento de certas doenças, como a hipertensão, a obesidade materna e infantil, a diabetes gestacional, a pré-eclâmpsia e a dispneia (falta de ar). Em vista da epidemia global do sedentarismo e das patologias relacionadas com a obesidade, a atividade física pré-natal tem se mostrado útil para a prevenção e o tratamento dessas condições.
Quem nunca se deparou com um parente ou amigo falando: “Para de fazer isso porque você está grávida!” ou “Descansa, minha filha, não faz força que faz mal para a criança”?
Existem alguns estudos em vários países sobre o predomínio e as características do exercício entre as mulheres grávidas. Em relação ao nível de atividade física entre as mulheres grávidas nos Estados Unidos, um estudo indicou que apenas 15,8% das mulheres estão envolvidas em exercícios durante a gravidez em um nível recomendado. Uma avaliação dos níveis de atividade física em mulheres saudáveis na Irlanda, que não tinham contraindicações para o exercício durante a gravidez, constatou que apenas 21,5% atendiam às recomendações para o exercício.
Em outro estudo realizado com mulheres grávidas britânicas, a prevalência de estarem envolvidas em atividade física por três horas por semana ou mais foi de 48,8% em 18 semanas de gestação e foi similar em 32 semanas. No Brasil, foram encontrados dados alarmantes relativos ao estilo de vida sedentário durante a gravidez. Apenas 4,7% das grávidas são ativas no período. E somente 12,9% relataram se envolver em algum tipo de atividade física enquanto esperavam um bebê.
Porém, nos últimos anos, os estudos científicos relacionando exercício físico e gravidez têm aumentado. Isso reflete a necessidade de esclarecer os seus efeitos na mãe e no feto. Diferentes revistas e sociedades científicas publicam recomendações voltadas para esse público, como The American College of Obstetricians and Gynecologists, American College of Sports Medicine-Centers for Disease Control and Prevention, Royal College of Obstetricians and Gynaecologists, Sociedade Brasileira de Medicina do Esporte.
O período gestacional compreende, aproximadamente, entre 38 e 40 semanas. É um dos períodos da vida da mulher que apresentam mais adaptações anatômicas, metabólicas e cardiorrespiratórias, tais como aumento da frequência cardíaca em 20%, do consumo de oxigênio em cerca de 30%, do débito cardíaco entre 30-50% e do volume sistólico em repouso em 10%. A pressão arterial, em uma gravidez normal, tem a tendência a diminuir até a 20ª semana e, depois, aumentar até o final, atingindo valores pressóricos similares aos do início da gravidez.
As mudanças anatômicas e fisiológicas no período têm o potencial de afetar o sistema musculoesquelético no repouso e durante o exercício. A mudança mais óbvia é o ganho de massa. A massa corporal aumentada na gravidez pode aumentar significativamente as forças entre as articulações, como quadris e joelhos, em torno de 100% durante o exercício que carrega o peso do corpo. Forças tão acentuadas como essas podem causar desconforto nas articulações saudáveis e aumentar a lesão nas articulações com artrite ou previamente instáveis.

TIPOS DE ATIVIDADE FÍSICA
A escolha de um programa de exercícios dependerá das preferências da mulher e dos recursos disponíveis. Mas, para a mulher grávida existem diversas atividade físicas convenientes e benéficas pelo baixo risco a saúde. Existem ainda outras de risco médio, que só poderão ser realizadas tomando certas precauções, e outras que definitivamente são totalmente contraindicadas.

ATIVIDADES DE BAIXO RISCO
Esse tipo de atividade pode ser recomendado inclusive para mulher grávida previamente sedentária que deseja iniciar algum tipo de atividade física durante a gravidez. Para essa mulher o mais indicado é o caminhar, a natação, a hidroginástica leve e o pedalar na bicicleta ergométrica. A mulher já habituada a correr antes da gravidez pode continuar seu programa modificando a intensidade e a velocidade à medida que a gestação avança. As principais precauções a serem tomadas se relacionam com o terreno, a temperatura, o ambiente, o calçado, o aquecimento e o esfriamento, a hidratação e especialmente a evitar as fases anaeróbicas (períodos de curta duração e alta intensidade), a exaustão e a fadiga.
Exercícios na água, como a natação, são uma boa alternativa, já que são uma atividade com bom componente aeróbico, por não suportar o peso corporal, característica considerada mais apropriada durante a gravidez. Nesse caso, o fundamental é manter a temperatura do ar e da água confortáveis e nadar de acordo com as habilidades. Estudos com nadadoras recreacionais mostram que a dissipação do calor pode diminuir durante a gravidez devido à melhora na reatividade cutânea vascular e ao incremento na gordura subcutânea.
Outra atividade de grande difusão na atualidade e que tem se mostrado benéfica para a grávida é a hidroginástica. Assim como na natação, suas principais vantagens estão dadas pelo menor estresse articular (evitando as forças gravitacionais), a melhoria na termorregulação e o efeito natriurético e diurético, devido, basicamente, ao incremento do volume plasmático, à diminuição da resistência vascular renal e ao incremento do fluxo sanguíneo e da filtração renal, causados pela pressão hidrostática. As pesquisas têm mostrado, comparando exercícios feitos na água e na superfície terrestre, que o estresse térmico, a frequência cardíaca, a pressão arterial, a temperatura corporal e o estoque de calor são menores na água do que na terra e que a perda de peso é maior na água, pelo incremento da produção de urina e suor. A temperatura ideal da água deve estar em torno de 28, 30 graus centígrados, já que temperaturas maiores podem levar à vasodilatação e as menores à vasoconstrição.

ATIVIDADES DE MÉDIO RISCO
Nesse grupo estão incluídas atividades como ginástica aeróbica, musculação, esportes de raquete (tênis) ou patinação. Um programa de ginástica aeróbica de baixo impacto pode ser realizado com as devidas precauções, evitando-se exercícios de hiperextensão e atividades em posição de costas. Nos esportes de raquete, a intensidade deve diminuir com o progresso da gestação. Por outro lado, vôlei ou patinação não devem ser indicados para iniciantes. Se a gestante for atleta, deve ser evitada a competição.
Entre essas atividades, a que causa maior controvérsia é o treinamento da força muscular (musculação) durante a gravidez, já que existem poucas pesquisas científicas na área. Os principais riscos potenciais descritos são os de lesão ósteo-muscular, diminuição do fluxo sanguíneo à placenta e, consequentemente, ao feto, como também o incremento na temperatura corporal.
Por outro lado, com o fortalecimento muscular, a mulher estaria mais hábil para tolerar seu peso corporal, alterar o centro de gravidade, realizar as atividades do dia a dia, melhorar a postura e evitar uma das queixas da gravidez: a lombalgia. Devem ser evitadas altas intensidades, cargas máximas e a manobra de Valsalva (apneia inspiratória).

RECOMENDAÇÕES GERAIS

Recomendações atuais do American College of Obstetricians and Gynecologists em conjunto com a Society of Obstetricians and Gynecologists of Canada e a Canadian Society of Exercise Physiology, recomendam que as mulheres grávidas que estão livres de complicações médicas ou obstétricas sigam as diretrizes do American College of Sports Medicine-Center para a atividade física e o exercício de controle e prevenção de doenças.
De acordo com essas diretrizes, as grávidas podem realizar, com segurança, mais de 30 minutos de atividade física moderada na maioria dos dias da semana, ou até em todos os dias. A atividade física moderada é definida como uma atividade realizada em uma intensidade de 3-6 equivalentes metabólicos (METs), o que corresponde a uma caminhada rápida entre 5 e 7 km/h. Grávidas sedentárias devem começar com 15 minutos de exercício contínuo três vezes por semana, aumentando gradualmente para sessões de 30 minutos quatro vezes por semana.
Devido ao risco potencial de determinadas atividades, os profissionais de educação física devem adaptar as prescrições de exercícios como caminhada, natação, bicicleta ergométrica, ao invés de ginástica, equitação, crossfit, esportes de raquete ou esportes de contato. Os riscos de danos associados à queda crescem nessas atividades devido ao aumento dos níveis de estrogênio e relaxina, que aumentam a frouxidão ligamentar, promovendo uma hipermobilidade.
O condicionamento muscular (leve levantamento de peso em repetições moderadas) é sugerido para manter a flexibilidade e o tônus muscular, evitar a dor lombar gestacional e incentivar o condicionamento geral. Fortalecimento abdominal é difícil de executar devido ao desenvolvimento da diástase reto-abdominal e à fraqueza muscular associada, além do desconforto na posição em decúbito dorsal (barriga para cima). Porém, é necessário o fortalecimento abdominal através de exercícios que priorizem, principalmente, o reto-abdominal até aproximadamente a 20ª semana. Exercícios como pontes, velas e em suspensão para abdômen devem ser evitados em intensidades elevadas porque exigem mais da musculatura mais profunda do abdômen (transverso). Como essa musculatura serve de base entre o abdômen e os órgãos, seu desenvolvimento acima da média dificultaria a expansão do útero, ocasionando complicações no desenvolvimento do feto.

As mudanças cardiovasculares associadas à postura corporal e uma consideração importante a ser feita na mulher gravida, no repouso e durante o exercício. Após o primeiro semestre, a posição decúbito dorsal (barriga para cima) resulta numa relativa obstrução do retorno venoso e, então, diminui o débito cardíaco. Por essa razão, a posição deve ser evitada, o máximo possível, durante o repouso e o exercício. Além disso, a posição em pé, sem movimento, é associada a uma significativa diminuição do débito cardíaco, então essa posição também deve ser evitada por períodos prolongados.
Respostas metabólicas durante o exercício na gravidez estão relacionadas à duração e à intensidade do exercício. A glicose no sangue de mulheres grávidas diminui a uma taxa mais rápida e com um nível de pós-exercício significativamente menor do que em mulheres não grávidas. Essa redução não parece causar hipoglicemia, mesmo depois de 40 minutos de caminhada moderada ou dança aeróbica. No entanto, consumir quantidades adequadas de calorias e limitar sessões de exercício para menos de 45 minutos é aconselhável.
Durante a gravidez, há uma redução da frequência máxima de reserva. A modificação das zonas-alvo de FC para exercícios aeróbicos foi proposta. A alteração baseia-se na redução do limite superior da zona em 5bpm, reduzindo, assim, a sua gama de 20 a 15bpm. A faixa de frequência cardíaca-alvo representa 60-80% da capacidade aeróbia de uma mulher grávida.
Ex: Mulher de 20 anos ¬ 80% = 160 bpm ¬ 160-5= 155 bpm
Zona alvo = 155 bpm ——- 140 bpm
A escala de percepção de esforço (EPE) também é recomendada para o monitoramento da intensidade do exercício. A escala vai de 6 a 20, sendo 6 um valor para muito fácil; e 20 para muito difícil. Por essa razão, uma zona-alvo de 12-14 é identificada como o intervalo de EPE recomendado na gravidez.
A influência do exercício físico durante a gravidez é amplamente debatida. Tradicionalmente, as mulheres grávidas são aconselhadas a reduzir os seus níveis de atividade. Mas novas informações surgiram sobre como uma mulher grávida e seu feto respondem ao envolvimento regular em exercício físico moderado. E não foram constatados resultados adversos maternos ou neonatais, nenhum crescimento anormal do feto e nenhum aumento na perda de gravidez precoce nem aumento de complicações na gravidez tardia.
Pelo contrário, a atividade física regular provou resultar em benefícios definidos sobre a mãe e o feto. Benefícios maternos incluem a melhoria da função cardiovascular, o ganho de peso da gravidez limitado, a diminuição do desconforto musculoesquelético, a redução da incidência de cãimbras musculares e edemas de membros inferiores, a estabilidade do humor e a atenuação de diabetes gestacional e de hipertensão gestacional. Benefícios fetais incluem diminuição da massa gorda, melhoria na tolerância ao estresse e avanço da maturação neurocomportamental.
De forma geral, parece que o exercício físico, prescrito adequadamente, não modifica a duração da gestação, o tipo de parto, o peso de feto ao nascimento, os índices de APGAR nem as complicações maternas e fetais, contribuindo, assim, para manter a saúde materna e o bem-estar do feto. Autoridades de saúde e pacientes devem estar atentos aos novos paradigmas que indicam que um estilo de vida ativo é fundamental para a futura mãe, para a grávida e para uma cidadã com melhor qualidade de vida.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1. Matsudo, V.K.R. & Matsudo, S.M.M. Atividade física e esportiva na gravidez. A Grávida 59–81 (2000).
2. Melzer, K., Schutz, Y., Boulvain, M. & Kayser, B. Physical Activity and Pregnancy. Sport. Med. 40, 493–507 (2010).
3. Currie, S. et al. Reducing the Decline in Physical Activity during Pregnancy: A Systematic Review of Behaviour Change Interventions. PLoS One 8, (2013).
4. Filhol, G., Bernard, P., Quantin, X., Espian-Marcais, C. & Ninot, G. [International recommandations on physical exercise for pregnant women]. Gynécologie, Obs. Fertil. 42, 856–860 (2014).
5. McDonald, S.M., Liu, J., Wilcox, S., Lau, E.Y. & Archer, E. Does dose matter in reducing gestational weight gain in exercise interventions? A systematic review of literature. J. Sci. Med. Sport (2015). doi:10.1016/j.jsams.2015.03.004
6. Nascimento, S.L., Surita, F.G. & Cecatti, J.G. Physical exercise during pregnancy. Curr. Opin. Obstet. Gynecol. 1 (2012). doi:10.1097/GCO.0b013e328359f131

 

shutterstock_257397640