Prisioneira por um tempo

Hoje passei o dia de sentinela, acompanhando o término da montagem do quarto dos irmãos (assim que eu terminar de arrumar, prometo compartilhar algumas fotos). A arquiteta, Alessandra Amaral, esteve aqui no fim da manhã para definirmos alguns detalhes finais, como a altura de prateleiras e arremates. Recebi também uma visita querida da minha grande amiga Marisa Vianna, que trouxe um presente lindo da Alfaias para o quarto dos meninos (e pro meu também). Só saí de casa para fazer as unhas no salão da esquina e ir ao encontro da obstetra no meio da tarde.

Existe uma orientação para que as mulheres próximas da data provável do parto não pintem as unhas, para que seja possível monitorar a variação da tonalidade da unha, um indicador da oxigenação do sangue. Mas esse impedimento vale predominantemente para esmaltes escuros. Escolhi uma cor da Granado bem clarinha que me deixa em ordem e acredito que não comprometa a avaliação da equipe médica.

Soube ontem pela Cristina, secretária da minha obstetra, Isabella Proença Tartari, que havia sido feita uma pré-reserva na Perinatal para hoje, pois ela estava preocupada com o overbooking do fim de semana. Então vocês podem imaginar meu nível de ansiedade ao chegar hoje no consultório para realizar o exame do toque. Escuto tantas histórias de mães que saíram de uma consulta como essa às pressas para o hospital, sem sequer terem tempo de pegar a mala em casa, que logo pensei que comigo não seria diferente.

Fui examinada e recebi a notícia de que estou praticamente com o mesmo statu quo de terça-feira. Com os mesmos dois centímetros de dilatação, a barriga ainda alta e apenas o colo do útero em posição mais anterior, perto de onde ele tem de chegar. Ninguém tem bola de cristal, mas o palpite é que pode levar mais alguns dias ou até uma semana assim.

A perspectiva dessa nova janela de tempo e de oportunidades me deixou com sentimentos divididos. Caiu como uma luva para que eu possa organizar melhor a casa e os assuntos de trabalho, além de poder dar mais atenção ao Felipe. Mas também bateu uma certa frustração de quem já está perto do limite do seu limite de tolerância do desconforto, querendo resolver a parada, chegar logo aos finalmentes e segurar o bebê no colo.

Parte dessa vontade de ter mais tempo para planejar as coisas vem de uma sensação de aprisionamento que chegou pra mim junto com a maternidade. Acredito muito em astrologia, por isso vou começar dizendo, em minha defesa, que sou aquariana com ascendente em Peixes e Lua em Gêmeos. Quem conhece um pouco o assunto sabe o quanto liberdade é importante dentro dessa conjuntura.

Até o fim da gravidez do Felipe pude, como agora, na do Lucas, ir e vir sem restrições, com pouca dificuldade de locomoção, parando de dirigir apenas na última semana, ou seja, bem dona do meu nariz. Como tive lá atrás uma gestação tranquila, minha família também não ficou com excesso de zelo.

Já com o bebê nos braços, a banda toca de outro jeito. O recém-nascido depende de você para viver, se desenvolver, precisa dos seus cuidados, do seu afeto, do seu contato físico, do seu leite. Essa dependência pode ser angustiante para a mãe em determinados momentos, raros, de puro egoísmo, quando ela não está a fim de dar nada disso pra ninguém. Nem mesmo para aquele ser indefeso que ela já ama tanto e acabou de parir. Seja por estafa, vaidade, sobrevivência, fato é que tive em alguns momentos necessidade de olhar mais para o meu próprio umbigo.

Se já é difícil lidar com a deformação do corpo durante a gravidez, imagine depois do parto, quando você não tem mais a barriga como justificativa e as atenções e cuidados são todos deslocados para o bebê. Depressão pós-parto é um sintoma comum e acho que esses fatores podem ser catalisadores.

Naquela altura, morávamos no alto de uma ladeira, íngreme o bastante para desencorajar umas escapadinhas, assim como impedir passeios de carrinho. Uma semana trancafiada dentro de casa era o suficiente para que eu começasse a dar defeito. As visitas não eram tantas a ponto de me distraírem, e as mamadas, apesar de muito prazerosas, menos ainda. Precisava de uma válvula de escape. Um dia me pirulitei para o Shopping RioSul para trocar um presente. Apostei que em duas horas, intervalo seguro entre as mamadas, eu conseguiria ir até lá e retornar sem susto. Deu certo.

O eventual processo de utilização da bomba de leite deve começar apenas a partir do segundo mês, o que significa, provavelmente, que não se tem nenhuma reserva técnica nas primeiras semanas de vida do filhote. Por isso outro conselho que costumo dar para as mães que só dão peito é pedir ao médico uma indicação de leite em pó e ter sempre uma lata guardada em casa. Por uma questão de segurança, mesmo que não se tenha nenhuma intenção de introduzir o leite artificial.

A minha lata permaneceu fechadinha por meses e estava lá apenas para me deixar mais tranquila ao sair. Tomei essa iniciativa depois de uma tarde terrível na qual fui ao consultório da minha obstetra retirar os pontos da episiotomia. No caminho de volta, recebi um telefonema da cuidadora, dizendo que o Felipe não parava de chorar. Minha mãe, que estava comigo e é uma motorista exemplar, saiu costurando e buzinando pelas ruas da cidade. Um risco e uma tensão agravados pela possibilidade de não ter nada em casa para alimentar o bebê. Consegui chegar pouco tempo depois, mas já subi no elevador desabotoando a camisa.

Temos sempre que considerar os imprevistos. Vai que você sai e fura um pneu, cai um pé d’água e o trânsito dá um nó, enfim, situações que, infelizmente, acontecem com quem tem menos margem e manobra e que vão deixar qualquer mãe de primeira viagem desesperada ao saber que o seu filho está em casa urrando de fome.

 

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