Planejamento familiar

Se falar da morte concreta já é um tabu, um assunto que as pessoas evitam ao máximo, imagine a dificuldade que é falar da preparação e dos arranjos necessários, em vida, para proteger os que ficam, em caso de morte. Como se falar sobre isso atraísse coisas ruins…

Quando eu era adolescente, acompanhei de perto o drama de uma amiga que perdeu a mãe e o pai no intervalo de um ano. O pai foi depois, mas, sabendo que sua doença era terminal, dedicou esse tempo para organizar a vida dos filhos. Presenciei uma cena dele interrompendo o filme a que assistíamos para apresentar à filha uma pilha de papéis, com cerca de cem folhas, e pedir a ela que assinasse tudo. Estava passando tudo que tinha para o nome dela e do irmão e poupando-os da dor de cabeça de lidar com inventário. Achei aquilo tão frio, não entendi na época, no entanto, ao longo do tempo, fui compreendendo o sentido e admirando a atitude dele. Se a família tem recursos e pode equacionar a questão financeira dos filhos ou até dos pais, quando eles são os provedores, por que não fazê-lo em vida? Um gesto de amor…

Hoje, prestes a ter meu segundo filho, penso nisso como nunca. Quando viajei para a Califórnia, no mês passado, sem o Felipe, pedi ao meu marido que deixasse com os pais dele as nossas senhas de banco e informações sobre aplicações financeiras. Não sei se fruto dessa conversa, o fato é que, ao voltarmos, o Joaquim tomou uma atitude que me surpreendeu e me deixou comovida. Fez um seguro privado para amparar nossa família no caso de sua morte ou invalidez. Acho que pesou sobre ele a responsabilidade de colocar o terceiro descendente no mundo. Garantir acesso a uma boa rede de saúde e educação, da qual, infelizmente, não dispomos neste país de forma gratuita, é uma grande preocupação.

O bacana desse seguro que ele fez, para o qual precisará contribuir mensalmente, foi assegurar um valor que cobre as despesas de estudo até os meninos completarem 25 anos e outros gastos básicos, em caso de morte ou invalidez. O argumento do corretor foi bem convincente. Contratar seguro de carro para proteger um bem tão perecível é uma prática comum, então por que não fazer o mesmo para resguardar seu maior patrimônio? Não estou aqui para vender seguro pra ninguém nem acho que isso é condição para sermos melhores e mais generosos pais.

O seguro é só um ponto, o que importa é levantar considerações sobre planejamento familiar, tema em que muitas pessoas nunca pararam para pensar. O mais importante é, sem dúvida, assegurar o apoio emocional. Lembrei de uma conhecida que escolheu o melhor amigo para ser o tutor da filha dela no caso de uma fatalidade. Tomou as medidas legais e providenciou a papelada necessária, já que ele era uma pessoa de fora da família. Garanto que poucos param para pensar em como se daria esse arranjo internamente. O designado seria um tio ou uma tia, um padrinho, os avós ou apenas um grande e leal amigo? Em quem nós verdadeiramente confiamos e acreditamos que tenha mais condição emocional e estrutura para criar nossos herdeiros na nossa ausência? É tão difícil e incômodo pensar nessas questões…

Conversando com uma amiga, com a qual almocei na semana passada, descobri que ela tinha feito o mesmo seguro que o meu marido depois de ler a autobiografia do Marcelo Yuka, que era compositor e baterista da banda O Rappa e viu a vida se transformar ao ser alvejado por bandidos. Ficou paraplégico e suas economias de uma existência inteira foram embora rapidamente para conseguir arcar com as altas despesas médicas.

Pragmatismo diante das incertezas da vida é necessário. Costumo brincar em roda de amigos dizendo que se acontecer alguma coisa comigo no parto do Lucas ou depois quero que as minhas amigas ajudem a escolher, ou ao menos aprovem, um bom partido para o meu marido, quer dizer, a melhor madrasta possível para os meus filhos. É muito difícil conceber outra mulher ocupando o seu espaço e o coração das pessoas que você mais ama. Mas a vida precisa seguir sem você. E saber que você abençoa a formação de uma nova família pode dar muita força e estrutura para quem fica.

Tenho uma grande amiga que não conseguiu ter filhos biológicos e conheceu um viúvo, pai de dois meninos ainda pequenos que tinham perdido a mãe num acidente de carro. Obviamente, o relacionamento dela com o pai deles foi o determinante para que ficassem juntos, mas as histórias de vida se encaixaram como num quebra-cabeça. Os meninos cresceram preservando a memória da mãe, porém essa minha amiga foi para eles a grande referência de mulher e de mãe, dedicada e presente, nos momentos mais importantes.

 

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