O que rola na UTI

Ninguém te conta de cara que quando seu filho é internado na UTI ele só sai de lá direto pra casa. Não existe a possibilidade desse bebê voltar para o berçário ou para o quarto do hospital. Isso por uma questão de segurança biológica. As bactérias dos dois ambientes são diferentes e o hospital não pode correr risco de contaminação do berçário. Fiquei na esperança de que assim que os exames fossem concluídos e os resultados saíssem positivos, o Felipe voltaria para os meus braços. Só no segundo dia de internação descobri que ele ainda ficaria por lá por pelo menos mais dois dias. Foram quatro no total. O processo de tirar o soro, os tubos e introduzir o leite é lento e gradual. O bebê só é liberado pra casa quando os médicos tem certeza de que ele está conseguindo ser alimentado na quantidade necessária.

Os exames do Felipe não apontaram nada que justificasse os episódios de cianose e apneia. Será que o bichinho apenas engasgou duas vezes? nunca saberemos… Mas nessa de virar ele do avesso descobrimos uma questão no coração, que não tem relação com o que aconteceu, mas que passou a requerer nossa atenção. O forame oval aberto (um pequeno orifício localizado no meio da parede de músculo que divide as duas cavidades do nosso coração e que costuma se fechar ao nascimento ou nos primeiros meses de vida) e um leve estreitamento na aorta, a mais importante artéria. Em poucos meses o forame fechou. Já o estreitamento tem sido monitorado pela dra. Rosa Celia em intervalos cada vez mais espaçados. Nada que nos tire o sono, pois ela mesma garantiu que ele estava liberado para ter uma vida normal.

No ambiente da UTI existe um código de conduta subentendido que é não se aproximar ou bisbilhotar o bebê do outro. Mas é inevitável puxar conversa, querer saber há quanto tempo eles estão internados e fazer comparações. Sinto muito pelas mães que tem que travar as batalhas mais difíceis, como uma moça que conheci que estava com o bebê internado há três meses, bebê este que já tinha sido submetido a duas cirurgias. Mas são essas heroínas que justamente nos tiram da posição de vítimas e nos dão força e capacidade de analisar e relativizar. Ontem a Beatriz Jencarelli deixou um depoimento emocionante aqui no blog contando como foi sua experiência e apresentando o blog que criou para tentar ajudar outros pais que estejam passando pela mesma situação. Acesse: www.prematuridade.blog.br

Uma coisa que me deixou angustiada nos primeiros dias é um barulho alto, uma espécie de sirene, que dispara toda vez que o bebê se mexe e perde o contato com o sensor de batimentos cardíacos. Parecia cena de filme eu buscando por socorro, a atenção de uma enfermeira que pudesse vir correndo verificar o meu filho. Mas aos poucos percebi que isso era frequente com todos os bebês e que eu não precisava ficar tão nervosa. Apesar de toda a equipe de médicos e enfermeiros serem muito profissionais, além de atenciosos e sensíveis com a dor alheia, a gente fica querendo uma atenção extra. Me lembro de levar bem-nascidos e tratar muito bem a todos, acreditando que o isso refletiria nos cuidadosos com o meu bebê.

Outra coisa sofrida demais foi o processo de extrair leite. Um esforço danado, muita dor e o resultado nada compensador: 10 ml na primeira tentativa. Nunca mais bebi um copo d’água sem pensar que lá estão pelo menos 200 ml. Com a prática as quantidades vão aumentando, e se não me engano saí da maternidade conseguindo tirar 90ml por vez (os intervalos eram de 3 horas). O que eu ia sendo capaz de produzir era introduzido no meu filho através de uma sonda e completado com fórmula. Mas eu pensava o tempo todo: se o colostro é o leite mais importante liberado nos primeiros dias de amamentação, o antibiótico que o bebê precisa no início da vida, tenho que produzir mais, estou falhando como mãe. Essa angústia e o cansaço certamente comprometiam a produção. O ambiente de “coleta” da Casa de Saúde São José também era claustrofóbico e sem distrações. Celular obviamente não é permitido. Na minha época eles forneciam bombas esterilizadas, mas uma amiga que teve o filho internado lá recentemente, me disse que as regras mudaram e agora é na munheca. Eles não estão mais permitindo bombas. E tirar leite na mão é duro, cabe usar literalmente a expressão “tirar leite de pedra”.

Escrevi demais e não vou conseguir terminar de contar hoje como foi a volta pra casa. Até amanhã então.

Esta foto foi tirada no terceiro dia de vida do Felipe, ainda na UTI.

 

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