Fui levada pra sala de pré-parto, dentro do centro cirúrgico, me sentindo bem até demais. O anestesista, Marcus Herrera, colocou um soro na minha veia do dorso da mão esquerda e depois passou um cateter nas costas, por onde ministraria a analgesia. Tive de ficar enroladinha, numa desconfortável posição de concha, e imóvel um certo tempo, até que ele concluísse o procedimento da peridural.
A indução com oxitocina foi necessária, já que as minhas contrações tinham praticamente parado. Naquela altura, tomar o estimulante não era mais uma questão – minha preocupação passou a ser se ele faria ou não o efeito desejado. Tive receio de não conseguir mais realizar o tão sonhado parto normal. Logo relaxei, ou melhor, tensionei, pois as contrações recomeçaram.
Então combinei com o anestesista que, a partir dali, eu iria informando-o sobre o nível de dor. Se fosse para atribuir uma nota, não deveria deixar passar de oito. O ideal, porém, seria ficar na zona de conforto de 4 a 5. E que não deixasse para avisar quando eu estivesse próxima do meu limite, porque o anestésico leva de cinco a dez minutos para fazer efeito. A intenção era participar ativamente e colaborar no processo de expulsão, mas sem precisar ir à lua.
Um monitor com duas faixas presas à minha barriga ia registrando graficamente os batimentos cardíacos do Lucas e a tocometria, que são a intensidade e o intervalo das contrações. Coloquei a playlist Projeto Cegonha que criei no Spotify pra tocar baixinho na caixa de som Bluetooth portátil e ainda tive a presença de espírito de criar um grupo no WhatsApp com a família e os padrinhos, batizado de Lá vem o Lucas. Parecia surreal estar conectada de dentro do centro cirúrgico, mas assim o foi.
Fiz FaceTime com a minha mãe e os sogros, que estavam no quarto do sexto andar, e o Joaquim os manteve informados o tempo todo. A certa altura eles mesmos me pediram que desligasse e me concentrasse no parto, o que fiz naturalmente à medida que a dor foi aumentando.
Recebi ao todo três doses de anestesia, duas a meu pedido e a terceira quando o bebê entrou no canal de parto, pois o anestesista me garantiu que ali seria o momento mais doloroso. E me ensinou um truque importante para coordenar as contrações: prender a respiração e fazer força de quem precisa muito ir ao banheiro. E alertou que quando chegasse na reta final eu provavelmente teria a sensação de querer evacuar, o que seria um ótimo sinal, pois significava que o bebê estava pressionando o reto bem próximo da saída.
Para não me deixar mais ansiosa com o processo, que levou ao todo um pouco menos de três horas, a equipe ficou dando um tempo no lounge dos médicos, numa sala no mesmo corredor, e vinha me ver de tempos em tempos. Isso foi bacana porque me permitiu ter vários momentos de privacidade com o Joaquim, que foi muito companheiro e carinhoso, fazendo o que podia para me dar conforto, incentivo e segurança. Nesses momentos, deixavam a sala em meia-luz.
Um pouco antes das 23 horas senti que a dor das contrações havia descido, estava mais concentrada lá embaixo. A dra. Isabella Tartari entrou na sala e mediu minha dilatação. Afirmo que esse foi o momento mais emocionante de toda a noite, além da hora do nascimento, claro. Pois quando ela constatou que eu já estava com nove centímetros de dilatação e o bebê começando a coroar, comemorou em voz alta dizendo: vai nascer!!!
É difícil descrever em palavras a alegria que senti. Um alívio enorme pela confirmação de que todo aquele esforço não tinha sido em vão. Afinal de contas, meu trabalho de parto tinha iniciado há dez dias, quando comecei a dilatar, gerando muita expectativa e ansiedade. Então, naquele instante, tive a confiança de que conseguiria alcançar o meu objetivo.
Alguns minutos depois me transferiram para a sala de parto oficial, um ambiente enorme, claro e muito mais inóspito, porém seguro, com todos os recursos hospitalares disponíveis. Fui posicionada deitada bem no centro da sala com as pernas abertas e suspensas por dois apoios. Várias pessoas de uniforme azul se posicionaram à minha volta, inclusive o enfermeiro da CordVida. O Joaquim ficou atrás de mim, segurando a minha cabeça e me fazendo carinho. Não conversamos até agora sobre o que ele “viu” de onde estava, mas acredito que tenha sido mais do que deveria, pois não rolou aquele paninho divisor clássico da cesariana.
A cama de parto tinha umas alças laterais para que a mãe possa fazer força apoiando-se nelas. Me pediram que as segurasse e puxasse em direção ao corpo. Me lembro do coro de vozes pedindo “força, Antonia”. Me senti dona da bola, alvo da torcida, um Neymar perto de fazer um gol em final de Copa do Mundo. Na terceira tentativa de expulsão, senti a cabeça saindo de dentro de mim e, depois, os ombros, e finalmente escutei o choro do Lucas, registrado às 23h14 do dia 3 de julho de 2015.
Ele logo veio para os meus braços. Senti uma paz, uma felicidade plena e um encantamento (confesso que maior do que senti com o Felipe). O Lucas não nasceu tão amassado e com a cara tão inchada. Dizem que no parto do segundo filho o bebê não fica tanto tempo parado no apertado canal vaginal e por isso o trauma é menor. Lucas não veio, por exemplo, com a cabeça em formato de cone.
O pediatra, José Roberto Ramos, entrou em ação. Colocou o Lucas no meu seio por um tempo generoso. Ele tinha me explicado no nosso encontro no consultório que esse momento era importantíssimo, não apenas pelo vínculo mãe-bebê, mas também pela exposição às bactérias do peito e do leite ainda nos primeiros minutos de vida. O teste Apgar deu 9/10.
Seguindo uma corrente mais humanizada, o pediatra não aspirou o bebê, procedimento invasivo que gera incômodo. Nem manteve o Lucas no berçário/incubadora, orientando que o banho fosse apenas no dia seguinte. O vernix, aquela cera que cobre a pele do neném, é um hidratante poderoso que deve ser mantido nas primeiras horas de vida.
O pediatra e o pai seguiram juntos com o Lucas para o berçário para tirar as medições e realizar alguns exames de rotina, além de tomar a vacina de Hepatite B. Ali começa o momento de glória de todo pai, que fica responsável por apresentar o bebê à família, que aguarda ansiosamente com o nariz prensado no vidro. Já tinha levado comigo para a sala de parto a primeira muda de roupa. Só não fui orientada a levar fralda e, por incrível que pareça, o berçário não oferecia nenhuma. Tiveram de mandar buscar no quarto, o que gerou uma espera e um certo transtorno. #ficaadica para as mães colocarem uma ou duas fraldas dentro dos kits de cada muda de roupa.
Enquanto isso, a dra. Isabella terminava de dar uns pontos na pele que havia lacerado lá embaixo. Pedi muito que não fizessem a episiotomia, mas estava consciente de que corria esse risco. Como estou escrevendo este texto uma semana após o parto, já posso afirmar que uma coisa não se compara com a outra. O que eu tive agora foi um rompimento da pele superficial que precisou de apenas alguns pontinhos. Não tive nenhum músculo cortado, como na episio. Requer higiene especial e aplicação de pomada anti-inflamatória, mas a região não ficou dolorida mais do que três dias. E os pontos serão absorvidos pelo organismo, não precisarei passar pela tortura de ter de removê-los.
Ontem estive no consultório da doutora para a revisão de uma semana, e ela disse que a cicatrização foi perfeita e que está tudo maravilhoso. Em três semanas já poderei recomeçar atividades físicas (em todos os sentidos). Ela recomendou Pilates, pela quantidade de exercícios que trabalham o abdome. E a melhor notícia de todas: perdi em sete dias os sete quilos adquiridos durante a gravidez. Estou tão orgulhosa de mim mesma que há dois dias só visto calça jeans. Quer termômetro melhor do que entrar em uma apertada calça jeans?
Voltando à sala de parto, de uma hora pra outra passei a sentir muito frio. Meu corpo inteiro tremia. Pedi que me esquentassem, mas o cobertor não foi suficiente. Batia o queixo e chacoalhava. O anestesista me explicou que era uma reação comum ao final da anestesia. Eu já tinha passado por isso em procedimentos cirúrgicos anteriores e sabia que era apenas um efeito colateral normal. Estava relativamente calma até olhar para a minha mão. As pontas dos dedos estavam roxas e o resto da pele meio azulada. PQP! pensei. Dessa vez deu tudo tão certo com o bebê, então será que agora quem vai parar na UTI sou eu???
O médico procurou me acalmar. Pedi que me desse algum outro remédio que cortasse esse efeito ruim da anestesia e ele disse que estava relutando, pois me deixaria sonolenta. Eu disse que preferia sair do centro cirúrgico chapada a sair tremendo daquele jeito. Ele então cedeu e aplicou alguma medicação que revertou o quadro em poucos minutos. Fiquei, de fato, meio molenga, mas não o suficiente para perder a consciência.
Fui levada para o quarto, onde o clima era de festa, com as duas famílias reunidas. Todos muito felizes e vibrando com a chegada do novo mascote. Meus olhos se encheram de água quando reparei que meus pais, divorciados há quase dez anos, estavam concentrados num cantinho de mãos dadas rezando e agradecendo a Deus por mais esse milagre.
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fotos: Monik Moreth | Fotografia / Trevo Filmes