Na semana passada a imprensa divulgou a notícia polêmica de que, visando reduzir o número de cesáreas na rede privada (hoje em torno de 84,6% dos partos), o Ministério da Saúde e a ANS passarão a exigir, daqui a seis meses, o preenchimento de um partograma que justifique clinicamente a opção por esse tipo de parto em detrimento do normal.
Gostaria de saber a opinião de vocês e registrar que sou uma defensora do parto normal. Concordo que existe um abuso da opção pela cesárea e que alguma medida radical precisa ser tomada, mas não tenho convicção de que este seja o melhor caminho. A médica Michele Azevedo postou um comentário no instagram @projetocegonha (siga quem puder) que achei relevante e compartilho aqui. Ela defende sua liberdade e acrescenta: “O governo não deve participar dessa escolha nem na rede pública nem na privada. A maneira mais inteligente de corrigir isso não é impositiva, mas através de propagandas conscientes, pré-natais mais bem-feitos e obviamente aumentar o valor da tabela do parto normal, que hoje custa menos do que cortar um cabelo ou fazer uma unha.”
Acredito no poder de mobilização, na capacidade de influenciar pessoas próximas através do relato de experiências bem-sucedidas. Hoje pretendo dar minha contribuição. Meu parto foi normal e esta foi uma das melhores decisões que já tomei. Nem tudo foi um mar de rosas como vocês vão ler aqui, mas estou pronta para passar por tudo isso outra vez. Acho que viver essa história é muito mais divertido e emocionante do que escolher um dia e hora no calendário. E não encontrei quase nenhuma amiga com que pudesse conversar sobre o procedimento, pois quase todas tinham feito cesárea.
Dei sorte de ter uma obstetra, a dra. Juraci Ghiaroni, que apoiou a minha preferência e estava a postos para me atender quando chegou o grande dia. Se ela, que me acompanha desde a adolescência, tivesse me influenciado em direção à cesárea ou se oposto radicalmente ao parto normal eu teria ficado dividida e nem sei se teria coragem de procurar outro médico. Minhas referências eram muito fortes: minha mãe e minha sogra são, ambas, mães de três filhos nascidos de parto normal. Quis muito ter um filho da mesma forma. No entanto, morria de medo de a dor ser insuportável, de parir no meio da rua a caminho do hospital, de sufocar o bebê e de todas aquelas cenas horripilantes gravadas na nossa memória através de filmes e novelas.
Na véspera do nascimento do Felipe, uma sexta-feira, passei o dia sentindo dor, mas nada que me impedisse de fazer coisas. Tinha parado de dirigir naquela semana por intervenção do marido e minha mãe ficara de motorista/acompanhante. Me levou ao ortodentista Gustavo Bastos (usava aparelho na época) e depois à CliniSul, para fazer um exame de monitoramento cardíaco do bebê. Estava com 39 semanas e o médico explicou que as dores das quais me queixava eram leves contrações, mas que, pelo resultado do exame, eu ainda não estava em trabalho de parto. Já em casa, no fim da tarde, fui ao banheiro e uma espécie de catarro saiu no papel. Liguei para a Juraci e ela confirmou que se tratava do tampão mucoso, um dos sinais de que o colo do útero estava começando a se preparar para o parto.
A médica, porém, garantiu que o bebê poderia levar ainda alguns dias para nascer. Me disse para relaxar e voltar a telefonar se sentisse algo mais. Ela disso isso apenas para me deixar tranquila, pois depois confessou que cancelou o horário que tinha no cabeleireiro na manhã seguinte. Naquela noite minha mãe preparou pra mim e pro Joaquim uma massa de jantar e resolvi tomar, excepcionalmente, duas taças de vinho para tentar relaxar e esquecer o forte incômodo. Foi uma sábia decisão. Consegui dormir por volta da meia-noite e o vinho deve ter me entorpecido e poupado das primeiras contrações. Às 4 da manhã acordei sentindo uma dor muito forte. Agora era pra valer. Fui ao banheiro fazer pipi e acredito que nessa hora minha bolsa deva ter rompido porque não tive nenhum outro momento de vazamento, no entanto cheguei na maternidade com a bolsa vazia.
O que eu não esperava era ter a segunda, a terceira e as demais contrações em intervalos tão curtos desde o início. Acho que eram menos de três minutos entre uma e outra. O Joaquim relutou em levantar da cama, duvidou e mandou aquele clássico “volta pra dormir, você deve estar enganada”. Mas, naquele momento, eu já não tinha sombra de dúvida. Em vários momentos da gravidez senti dores, cólicas e pontadas que julguei serem o início trabalho de parto e não eram. As amigas experientes garantiam que eu saberia diferenciar quando chegasse a hora certa. A dor é muito forte e diferente de tudo que já senti na vida. Ligamos primeiro para a obstetra, em seguida para o pediatra e, por último, para a Cordvida, empresa contratada para fazer a coleta de células-tronco. Concordamos que seria melhor avisar a família quando chegássemos no hospital e tivéssemos um quadro preciso. Não fazia sentido tirar todo mundo da cama e o bebê ainda demorar pra nascer.
A recepção na Casa de Saúde São José foi um pouco traumática. Fomos os primeiros a chegar porque morávamos na mesma rua. Devia ser algo em torno de 4h40. O hall principal estava com as luzes apagadas e fomos recebidos por um segurança de terno preto. Sentei num sofá naquele breu, onde tive mais uma ou duas contrações que pareciam muito piores devido ao nervosismo. Uma onda de calor vinha junto e um leque que eu carregava na bolsa durante a gravidez ajudou demais. Será que o Man in Black ia ter que pôr a mão na massa? Eis que surge uma maca vinda da Emergência Ortopédica e um médico de plantão. Me levaram para uma sala de pré-parto e em pouco tempo chegou a minha equipe.
Ao ser examinada eu já apresentava seis centímetros de dilatação (o bebê nasce com aproximadamente dez). O anestesista morava na Barra e foi o último a chegar. Eu pedia tanto pela medicação que acho que ele carregou na dose. Apenas uma teoria. Da mãe de um bebê que estava quase nascendo passei para um estado de letargia e fracas contrações. A ponto de a minha obstetra ter dúvidas sobre prosseguir com o parto normal e chegar a mencionar a palavra fórceps. Foi o suficiente para que eu reunisse toda a força do meu ser e fizesse força, muita força. O quadro progrediu e eu fui transferida para a sala de parto anexa.
Lá as condições gravitacionais são mais adequadas para a expulsão. Meio inclinada na maca havia uma espécie de remo fixo que eu deveria segurar e puxar em direção ao meu corpo e também havia apoio para os pés. Mas o esforço tinha que ser coordenado. Os médicos iam monitorando e me avisando quando uma contração estava começando, pois eu já não sentia quase nada. Nesse momento, outro médico debruçava-se sobre mim empurrando com o antebraço a barriga desde os peitos, como se fosse espremer um tubo de pasta de dente em direção ao bico. Era nessa hora que eu tinha de mentalizar e fazer toda força de que fosse capaz. O Felipe nasceu na terceira tentativa. Pedi ao Joaquim que ficasse ao meu lado e prometesse que não iria conferir o que se passava lá embaixo. Tinha medo de que a cena fosse muito forte e marcante pra ele. Vai que, depois, isso refletisse na libido dele comigo? Melhor não arriscar…
Ele ficou tirando uma onda de que foi muito fácil, muito rápido, mas só eu sei o que passei. O Felipe nasceu às 6h26, duas horas depois da minha primeira contração. Minha recuperação foi espetacular e horas depois eu já estava andando pelos corredores. Graças ao parto normal, foi muito mais fácil lidar com a internação do Felipe na UTI.