A primeira vez que tomei consciência do que era doação de leite materno foi com minha querida amiga Adriana Reis, quando ela teve sua segunda filha. Eu havia trazido de encomenda de viagem uns sacos americanos para armazenar leite e, ao visitá-la em casa, fui apresentada ao estoque da produção da semana armazenado no freezer. Aquilo me marcou muito como gesto de generosidade e engajamento social. Alguns anos se passaram até que chegasse a minha vez de ser mãe e eu pudesse resgatar essa lembrança.
O primeiro mês de amamentação do Felipe foi um período de adaptação, e me recomendaram não utilizar bomba de sucção para que a produção fosse regulada a partir das necessidades do bebê. Sendo assim, ainda nem passava pela minha cabeça a possibilidade de ter leite sobrando e muito menos doar parte dele.
Foi outra amiga, a Juliana Schmith, que teve filha na mesma época que eu, que iniciou o processo e me incentivou, dando o caminho das pedras. Na cidade do Rio de Janeiro, o Instituto Fernandes Figueira, no Flamengo, mantém um serviço de coleta domiciliar semanal. Basta ligar para os telefones 0800 026-8877 ou 2554-1700, fazer um cadastro, responder a algumas perguntas sobre o seu estado de saúde e dar o endereço. Dias depois, representantes do instituto retornam aprovando a sua ficha e estipulando um dia fixo na semana para a coleta.
Como forma de garantir a higienização do recipiente em que o leite será armazenado, eles fornecem potes de vidro esterilizados, tipo daqueles de maionese com tampa de plástico. Você deve anotar na etiqueta do vidro o dia da primeira coleta, pois pode ser que precise de vários dias para enchê-lo e a data do primeiro leite ali guardado é a levada em consideração para estabelecer o prazo de validade.
Na véspera do dia estipulado para recolher o leite, eles telefonam para saber se você de fato conseguiu armazenar e se precisa de potes de reposição. Não há nenhum compromisso formal nem período mínimo de contribuição. Devo ter conseguido doar durante cerca de três meses aproximadamente. Se não me engano, são membros do Corpo de Bombeiros que fazem a ronda de casa em casa.
O leite doado é pasteurizado e oferecido a prematuros internados naquela unidade que, por alguma razão, não podem ter acesso ao leite de suas mães, seja por doença, tratamento médico ou óbito. Infelizmente, o número de doadoras é ínfimo perto do que poderia ser. Doação = entregar-se para o outro; ser caridoso e prestativo aos serviços do próximo. Um ligeiro sacrifício é necessário,como retirar o leite com bomba quando o filho pula uma mamada ou quando ele já está saciado e você percebe que há sobra no reservatório.
A sensação de estar ajudando outros bebês a receber um alimento mais completo, nutritivo e sem custo é muitogratificante. Quero deixar claro que não tenho nada contra o leite em pó e não julgo quem não consegue ou não quer amamentar. Tenho certeza de que existe investimento e estudo por trás das melhores (e mais caras) fórmulas para que bebês cresçam com saúde, porém acredito que o leite materno é insuperável, feito sob medida para o seu filho. Dê enquanto der, sem cobranças, sem frustrações e sem culpa. Me pergunto se terei a mesma disposição agora com o segundo filho, e a resposta logo vem: só o tempo dirá…
Cheguei a ficar meio neurótica, torcendo para que o Felipe não mamasse tanto para que sobrasse bastante leite. Doava, em média, dois potes por semana, às vezes três, com o peito cheio de orgulho. Tempos depois, em uma conversa com a consultora de amamentação Bianca Balassiano Najm sobre a noção de que “se o Felipe mamar menos vai sobrar mais”, aprendi que a natureza funciona justamente ao contrário: quanto mais ele mamasse, mais eu produziria, me explicou ela, lembrando que o peito é fábrica, não é recipiente.
Procurava manter também a minha reserva técnica. A Stephanie Prepar, que oferece um interessante curso de primeiros cuidados com o neném, em Copacabana, me deu um conselho precioso. Ela defende que as mães não devem ficar obcecadas com a amamentação e reservar leite, sem grilo, para três mamadeiras semanais. A primeira para poder ir ao cabeleireiro dar um tapa na peruca ou fazer uma unha; a segunda para ir ao médico ou resolver qualquer pendência; a terceira para conseguir sair a sós com o marido, de preferência num programa romântico…
Me lembro como se fosse ontem de uma manhã que encontrei uma poça de água enorme na cozinha. A faxineira havia esbarrado na tomada do freezer na véspera e ele havia passado a noite inteira desligado. Eu devia ter uns oito potes armazenados e tive que jogar tudo fora com medo de ter comprometido a qualidade do produto. Chorei muito pelo leite derramado…