Tomei um susto ontem à noite achando que o Lucas ia nascer. Senti muitas contrações em intervalos curtos e um peso no ventre que não estava sentindo antes. Vontade constante de fazer pipi e a sensação de que a bolsa podia ter rompido sem que eu percebesse. Fiquei acordada até as três da manhã enquanto a casa dormia, tentando me acalmar e relaxar, sem querer dar alarme falso nem tirar o sono da família. Antes do nascimento Felipe, ao menos tive como alerta o sinal do tampão saindo.
Uma coisa que aumentou a minha ansiedade foi não ter fechado ainda o contrato para a coleta de célula-tronco. Tive nove meses para definir sobre o procedimento, por que não me organizei melhor, não decidi isso antes???, repetia pra mim mesma. Gravei alguns spots de reserva para o meu programa na MPB FM, o Lucas acalmou e finalmente consegui encontrar uma posição confortável para dormir. Acordei bem, mas a pressão no ventre continua. Será que é o bebê “encaixando”?
Obviamente, providenciar a papelada contratual da CordVida para a coleta e o armazenamento de célula-tronco do sangue e do tecido do cordão umbilical do Lucas foi a primeira providência do dia. Não tinha dúvidas quanto à empresa escolhida, mas demorei pra resolver esse assunto porque o que era uma certeza absoluta na gravidez do Felipe – quando não apenas armazenei na CordVida, como paguei logo por um pacote de cinco anos –, agora parecia mais complexo, com novas possibilidades de coleta e armazenamento e mais gente debatendo o assunto. Precisava ler mais, me atualizar.
Quanto mais o tempo passa, mais pesa sobre a decisão o baixo número de utilizações realizadas até então. Por outro lado, os avanços na medicina são promissores e o investimento em pesquisa é altíssimo. Outro fato positivo é que a informação está mais disseminada, apesar de ser um mercado ainda bem pequeno frente ao número de nascimentos no país.
Me lembro de como catequizei amigas grávidas que desconheciam o procedimento há quatro anos e influenciei outras tantas na decisão de coletar. Hoje, raramente converso com uma mãe que não esteja a par do assunto e que já não tenha tomado uma decisão, seja a favor ou contra.
Os bancos se uniram e criaram a Associação Brasileira de Bancos de Células-Tronco (ABBCT), presidida por Roberto Waddington, que vem a ser o presidente da CordVida. Mais importante do que a disputa pelo mercado é regularizar o setor, instituir um conselho de ética e esclarecer para as famílias, de forma transparente, o que já é realidade nos tratamentos com células-tronco e o que ainda são estudos.
A nova prática na praça é a coleta de tecido do cordão, que não estava disponível em 2011. Ainda em fase de estudos nos mais avançados centros de pesquisa do mundo, a utilização do tecido do cordão vem sendo pesquisada para tratamento de doenças mais comuns, como diabetes (tipos I e II), cirrose hepática, doenças cardíacas, Alzheimer, câncer de mama e lesões esportivas.
No entanto, tomei um susto com o orçamento que recebi agora. A modalidade de armazenagem da célula do tecido do cordão pode ter um custo mais elevado do que a da coleta de sangue, dependendo da técnica utilizada. Quem vive na ponta do lápis tem que pensar muito bem e não se deixar influenciar pela pressão psicológica de que “não coletar” é uma atitude egoísta e despreocupada. Sem culpa materna, por favor! Diria que nesses casos a decisão fica até mais fácil.
Percebi que é entre as famílias com mais recursos financeiros que rolam as maiores incoerências quanto ao investimento. Gastam uma fortuna numa viagem para compras de enxoval, fazem uma decoração completa no quarto, têm babá e folguista, mantêm um alto padrão de vida, mas preferem economizar num procedimento que pode ser determinante lá na frente. Por menor que sejam as chances de vir a precisar, se eu vier a ser uma mãe cuja vida de algum membro da família possa ser salva ou prolongada graças a um tratamento pioneiro, não me perdoaria por ter ignorado a coleta.
Pelo que tudo indica, o sangue pode ficar armazenado por toda a vida. Sabe-se lá que uso poderá ter quando o meu filho tiver 50 anos de idade? O descongelamento mais antigo de que se tem registro já completou 23 anos e suas células estavam perfeitamente preservadas.
Doar para um banco público também é um gesto altruísta e muito bacana, mas só é possível de duas formas: se o parto for num hospital credenciado (no Rio, só temos coleta de rotina em alguns hospitais públicos) ou se o seu obstetra e você agirem por conta própria. Quem tiver disposição para doar para o banco público precisa fazer o seguinte:
Ir até o INCA (a mãe ou o pai) e preencher um cadastro para receber a bolsa térmica, além de algumas instruções. O obstetra faz a coleta e armazena nessa bolsa, que conserva bem o material por cerca de 20 horas. Alguém da família precisa entregar o material coletado no próprio INCA dentro desse prazo.
Recentemente, um médico me disse que eles estão com amostras demais e só têm interesse em doadores de etnias raras ou com doenças preexistentes, mas ainda não consegui confirmar essa informação. E que a mãe da criança doadora precisa voltar lá um tempo depois para realizar alguns exames. Lembrando que se um dia precisar do material, o doador não terá qualquer direito ou prioridade na utilização da própria amostra, que poderá nem estar mais disponível. É doação em todos os sentidos. Alguém aqui passou por isso e pode nos relatar como foi a experiência?
Só há um tipo de resposta que me irrita profundamente: “Não fizemos, pois perguntamos para a pediatra ou obstetra antes e ela não recomendou”. Caraca! Não diga amém para um único ponto de vista nem feche a questão em cima disso. Vá se informar por conta própria. Questione e confronte os seus médicos, pois o assunto é complexo demais e merece uma opinião balizada.
Semana passada mesmo estive com um pediatra que se posicionou fortemente contra a coleta. Considerei o que ele falou, mas ainda assim me mantive firme nas minhas convicções. Temos de pensar que a utilização atual dessas amostras armazenadas ainda é pequena, mas não é zero. A oportunidade de coletar é única, restrita ao momento do nascimento.
Já visitei as instalações da Cordvida em São Paulo, quando estava escrevendo uma matéria sobre o assunto, alguns anos atrás. Como ainda não pensava em ser mãe, meu olhar foi muito mais apurado e crítico, já que não havia o fator emocional envolvido. E fiquei realmente surpresa com a estrutura, os rígidos controles para evitar contaminação, a presença de geradores para garantir o resfriamento em qualquer circunstância e o aspecto geral, de um local limpo e seguro.
Todos os acionistas têm o material genético de seus filhos ou netos no banco que administram. Informação que me dá segurança de que eles têm, além do compromisso ético, um interesse pessoal em garantir as melhores condições para as amostras.