Fiquei tão mexida com o depoimento da Renata Capucci e com todas as histórias tristes que chegaram até mim em função dos dois posts desta semana com textos dela que busquei ajuda profissional para poder falar um pouco mais sobre luto.
Uma constatação diante de tanta catarse é a de que o mundo espera que as coisas deem certo, e elas costumam dar mais certo que errado. Outra constatação é que sucessivos abortos e mortes prematuras são mais comuns do que eu imaginava. E como bem disse a Renata, muitas vezes eles acontecem sem nos deixar explicações palpáveis.
Conversei longamente pelo telefone com a psicóloga especializada em perdas e luto Cecília Rezende, que, junto com a sócia Erika Pallottino, montou o Instituto Entrelaços (www.institutoentrelacos.com). Este é o primeiro na cidade do Rio de Janeiro focado em atendimento clínico, cursos e formação de profissionais para auxiliar pacientes que precisam de uma ajuda extra para enfrentar esse momento difícil. As situações de perda são inevitáveis e ocorrem quando rompemos qualquer vínculo significativo, caso da morte de alguém querido, mas também com o término de um casamento, por exemplo, mudança de cidade ou de emprego.
A primeira coisa que ela me disse que me tirou o chão foi que a dor do luto é proporcional ao amor que você tinha ao ser que perdeu. Pode ser um senhor de idade no fim da vida ou um bebê de poucas semanas com um coração que ainda nem pulsa forte no ventre. Sempre julguei e atribuí pesos diferentes a perdas que presenciei. Como se fulano de tal, que, por exemplo, perdeu o pai pra uma luta de anos contra o câncer e teve tempo de se preparar, contasse com mais capacidade de virar essa página do que beltrano, que perdeu a filha da noite pro dia num acidente de carro.
Ninguém pode julgar o tamanho do investimento de alguém naquele ser que partiu, com suas memórias, suas fantasias e tantas outras questões envolvidas. Segundo o senso comum, a pior perda é a da mãe que tem de enterrar um filho, no entanto a pior perda é uma coisa muito particular. É como dizem: “O preço da dor é o preço do amor”.
A morte, o luto, é um grande tabu. Sem saber como abordar o assunto para consolar um amigo, a gente repete frases do tipo “vai ficar tudo bem” ou “você ainda é muito jovem, pelo menos já sabe que é capaz de engravidar”. Pode ser duro ouvir isso sem que nada faça a dor passar. Como espectadores, falamos com a melhor das intenções, visando também aplacar o que nós mesmos estamos sentindo, já que é desconfortável ver a dor do outro.
Recentemente estive num velório da mãe de uma grande amiga que faleceu de forma trágica. Depois do ritual, a conversa numa roda de mulheres girava sobre a infelicidade desses momentos e sobre o fato de termos de estar preparadas para nos encontrar com mais frequência em situações como aquela, já que nossos pais estão envelhecendo. Me dei conta de que uma das meninas do grupo, escutando tudo aquilo, já tinha perdido a mãe. Por ser a única na roda com conhecimento de causa, perguntei como ela estava se sentindo, só que quase levei um chute de outra colega por tocar no assunto. As pessoas em geral não se sentem à vontade para falar sobre a morte e a pessoa que o faz é tachada de inconveniente ou de insensível.
Passados os primeiros dias de atenção integral, quem está vivendo aquela situação de perda fica muito sozinha. Existe uma conspiração do silêncio. Ninguém diz nada, como se “não dizer” fizesse o fato desaparecer… É importante demais, a psicóloga ressaltou, que se possa falar sobre suas dores e perdas sem restrições, sem medo de ser rotulado de chato. Sempre que tento consolar alguém, procuro me lembrar de uma passagem feliz ou de um gesto ou atitude daquela pessoa comigo que foi marcante, algo além de dizer “meus sentimentos”.
Cecília também me disse que não existe um tempo do luto – cada um vai processar a dor num tempo particular. Uma coisa, todavia, ela garante: ninguém volta a ser a mesma pessoa. A perda vai ocupar um outro lugar na vida de quem fica, mas ela vai estar sempre ali. “Não existe roteiro a seguir. Depende de cada um querer manter ou recolher retratos, preservar o quarto intacto. É importante respeitar o tempo e a singularidade. Evite aconselhar com o ‘se eu fosse você…’”, diz Cecília.
Ela também lembra que cemitério, na nossa sociedade, não é normalmente considerado lugar apropriado para criança, porém, se ela quiser ir, se foi alguém significativo pra ela, deve-se levar. Meus pais me pouparam tanto que só fui pisar no São João Batista aos 18 anos, no enterro da Basbuska, minha bisavó. Foi uma experiência estranha.
Alguns pais não contam aos filhos mais velhos que perderam o bebê que esperam e o clima na casa passa a ser de incompreensão. Os pais muito tristes e a criança sem saber o que aconteceu, algumas vezes imaginando que fez algo errado. Cecília explica que quando você conta, dá a criança a possibilidade de entender e expressar o que está sentindo.
Além disso, é fundamental respeitar as diferenças do casal, dos parentes. Os homens lidam com a perda de forma distinta da mulher. Em geral são mais contidos, mas nem por isso sentem menos.
Nem todo mundo precisa de terapia. E luto não é depressão. Tristeza, raiva, fadiga são sintomas comuns que não caracterizam necessariamente depressão. É comum encontrar pessoas sedadas em velórios e missas, só que o “escândalo”, às vezes, é necessário para realizar a perda.
Pensar em como sobreviver à perda é natural, e perder um bebê não é passaporte para querer se matar. Cecília alerta que é preciso estar atento a essas manifestações. Quando as pessoas expressam desejo de morte, a situação é grave, pois não faz parte de um processo de luto normal. Nesse caso, exige acompanhamento psicológico e uma intervenção psiquiátrica.
A possibilidade de perder estará sempre presente. Não se deixe vencer, viva intensamente…