Aos 20 e poucos anos de idade, quando a maternidade ainda era um projeto distante, tive uma editora-chefe na revista Domingo do Jornal do Brasil, de quem eu gostava muito, que me contou uma história que nunca esqueci: quando nasceu sua primeira filha, combinou com o marido que, a partir daquele dia, mamãe não teria time. Ela se recusava a torcer pelo time do marido, mas aceitou a anulação da sua torcida em favorecimento do valor que o futebol tinha na vida do cônjuge. Tudo para não confundir a cabeça da criança. Imagine só o pesadelo que seria a vida dela se a filha ignorasse as investidas do pai e ficasse solidária à mãe?
Quando comecei a namorar o Joaquim, percebi que o meu destino seria semelhante. Torcedor ferrenho do Fluminense, ele foi, aos poucos, me convertendo. Evito comentar para qual time eu torcia anteriormente para não ganhar a antipatia de alguns leitores. Só sei que passei a vestir branco, verde e grená de corpo e alma. Nunca fui muito ligada em futebol, por isso não dei importância por virar a casaca. E, naquela altura do campeonato, solteira, beirando os 30 anos, parecia mais interessante torcer pelo meu relacionamento do que por qualquer agremiação.
Quando engravidei do Felipe, um dos primeiros modelitos que ele ganhou de presente foi um macacão baby de torcedor tricolor. De lá pra cá, em todas as idades ele foi devidamente paramentado. Ainda não o levamos a um estádio, mas ele assiste a trechos de partidas pela TV, grita gol e repete “Nense” bem bonitinho, além de ter uma flâmula pendurada na cabeceira da cama.
Em termos de formação de torcedor, acho que estamos cumprindo a agenda. Daí a fazer a bola rolar já são outros quinhentos… O Felipe brinca, mas ainda não é muito ligado. Prefere outras atividades. Cá pra nós, o pai não é nenhum talento e bate pouca bola com ele.
Como futura mãe de dois meninos, me ponho a pensar se não é fundamental estimular ao máximo o interesse pelo futebol, já que vivemos num país onde jogar uma pelada, pelo menos até certa idade, é condição para a inclusão social. Futebol no Brasil é uma questão cultural definida pela sociedade.
Vejam só o exemplo de hoje: levei o Felipe para cortar o cabelo e a profissional puxou assunto perguntando de cara: “Você joga bola?”. Da mesma forma que ela buscaria em seu repertório algum assunto relacionado a bonecas, se fosse uma menina sentada na mesma cadeira. Somos os responsáveis por criar complexos nas crianças que não se encaixam nesse perfil. Me dei o trabalho de contar quantas bolas meu filho já ganhou de presente desde que nasceu, há três anos e quatro meses: mais de 10! A primeira era de pelúcia, quando ainda nem era capaz de sentar no berço.
Será que tudo isso tem a ver com o fato de o futebol ser o único esporte coletivo que pode ser praticado na infância, já que só dá pra jogar vôlei, basquete e handball, por exemplo, com mais idade? Confesso que não tô nem aí se o que vai fazer ele feliz, a longo prazo, é uma bola, uma espada, uma peteca, um avião de aeromodelismo ou uma vassoura de curling. Quero apresentar a ele as diferentes possibilidades no tempo certo, mas jamais forçá-lo a fazer nenhuma atividade que o torne infeliz ou que eu perceba que a motivação é apenas corresponder à expectativa dos pais.
Eu tinha verdadeiro horror às aulas de educação física. Fazia de tudo para bater o time, porque era isso ou ser uma das três últimas meninas da turma a ser escolhida. Sofria demais com a certeza de estar afundando o grupo. Quando cresci um pouco mais e percebi que a minha asma poderia ser uma porta de saída, “interpretei” e fingi diversas crises. A asma talvez fosse mesmo a razão pela qual eu não me saía tão bem.
Mas giro em círculos, porque o lance com futebol é diferente. Faltam poucos anos até que as festinhas temáticas em campinhos, em clubes e até no Maracanã (que agora libera o campo para festas particulares) comecem a pipocar. A vida do Felipe vai ser mais difícil se não for sequer escalado para o time reserva? Vai ser considerado o nerd que só joga futebol pelo videogame? Vai ficar fora da lista de convidados? Vai sofrer bullying?
Mães de filhos homens, adoraria saber qual a importância que vocês dão para o futebol e como lidam com seus filhos quando eles não demonstram interesse pelo esporte.
foto: Estudio Carol Chediak