Li ontem na página de uma amiga no Facebook o texto de outra amiga de infância, a cantora Claudia Dorei, que foi publicado no site da revista Pais e Filhos. Casada com uma mulher, mãe de uma menina de 10 anos, ela conta a sensação de viver num mundo em que um garoto foi espancado e morreu por ter pais gays.
Não sei se foram os hormônios da gravidez, fato é que chorei lendo cada palavra. Tive raiva da escola, dos outros pais, vontade de me aproximar da filha dela com alguma palavra de carinho e conforto. (http://www.paisefilhos.com.br/familia/o-mundo-e-preconceituoso)
Há mais uma razão, porém, para isso ter batido tão forte em mim. Quando a Claudinha, apelido que sempre usei pra me referir a ela, começou a viver todos esses dilemas e a entender e aceitar sua orientação sexual, nós éramos bem próximas. Infelizmente, não pude ajudá-la em nada. Devo ter sido até uma das amigas das quais ela tanto se esforçava para esconder sua opção. Senti vergonha.
Tenho perto de mim muitas pessoas que amo e que são homossexuais. Uma das primeiras e mais queridas amigas do Felipe é filha de duas mães. A escola que escolhi para ele estudar tem um respeito e uma postura muito bacanas em relação às novas configurações familiares. Não comemora Dia dos Pais nem das Mães; elege um dia da família e convida todos os parentes a participar. Questionei no começo, achando que não adiantava proteger nossas crianças dentro da escola se fora dela a sociedade valoriza essas datas. Na minha percepção, o dia da Mãe ou do Pai poderia ser direcionado para qualquer figura masculina ou feminina importante para a criança. Depois, repensei. Acho que vale muito a pena, sim, abrir mão de um desenho ou um objeto de argila feito pelo meu pequeno para livrar outras crianças de qualquer angústia ou vergonha. E enriquecer o repertório familiar dele, pois é educando as novas gerações que vamos exterminando os preconceitos.
A chamada “divisão sexual do trabalho”, por exemplo, é um comportamento introjetado socialmente nas meninas desde a infância. Não só em função da maternidade, mas também da educação formal e, principalmente, dos processos de formação profissional. Homens e mulheres são de sexo diferente, só que podem desenvolver quaisquer habilidades. Talentos e força física são uma outra questão. A gente acaba repetindo os comportamentos e não se dá conta.
Já perceberam o quanto sexualizamos as crianças na primeira infância? Eu mesma colaboro, chamando a Clarinha, uma amiga do Felipe que ele adora, de amiga-amor… Isso distrai a nós, pais, mas não significa nada para a criança, que ainda não está desperta para este tipo de “sentimento”.
Entretanto, quando chega a idade de abordar o assunto, evitamos as conversas que possam ser constrangedoras. Acho o máximo o exemplo da Shilloh e a postura de seus pais, Angelina Jolie e Brad Pitt, que criam a filha dentro de um gênero neutro. Simplesmente não importa a opção sexual dela, porque ela é muito nova para sequer ser sexualizada e pronto. Quando ela chegar na idade propícia, o que decidir estará decidido. Quem já não conheceu uma menina que era quase um moleque quando criança e, mais velha, se revelou uma lady e vice-versa?
Tenho conversado muito com meu marido sobre isso e sobre as atividades que oferecemos para o Felipe. A minha tendência é querer transitar pelos dois universos, o feminino e o masculino, até pela familiaridade que tenho com as brincadeiras femininas. Acho importante esse trânsito para que ele valorize as mulheres e o trabalho doméstico. Eu o incentivo a ter brinquedos e a assistir a desenhos que são rotulados como “de meninas”.
Comprei pra ele de aniversário de dois anos um fogão e ele já tem uma coleção de panelas maior do que a da cozinha de casa. Adora espremer suco de laranja e ajudar a preparar bolos. No Extra de Itaipava adquiri uma minivassoura que ele ama. Leva a sério a tarefa de ajudar a limpar as folhas que caem perto da piscina. Quando me observa me maquiando, pergunta se estou fazendo “tatuagem” e pede para ajudar. Jamais o repreendo. O desenho favorito do momento é Doutora Brinquedos, que ele resolveu chamar de Menina Médica. Mas ele também tem muitos carrinhos, joga bola e faz travessuras.