Trate os outros como gostaria de ser tratado

Ontem descrevi um pouco o processo de contratação de uma cuidadora e sugeri perguntas que podem ser feitas durante a entrevista. Hoje vou falar do outro lado da moeda: o abuso e a exploração que algumas funcionárias sofrem na mão de patroas insensíveis. Fiz a lista a partir de relatos que escutei ao longo dos anos.

A minha geração já vive uma mudança de paradigma na relação empregado-empregador e é possível que, em alguns anos, o luxo de ter um funcionário do lar seja para pouquíssimos. Seja por restrições financeiras, seja por opção, como muitas amigas já fazem hoje, seguras das vantagens de um estilo de vida com menos conforto, porém com mais privacidade e dedicação aos filhos. Exagerei um pouco nos exemplos a seguir para provocar uma reflexão. Fiquem à vontade para contestar ou incluir algum. E vamos à lista!

• Exigir que a funcionária esteja impecável, mas oferecer acomodações precárias e sujas, como um quarto entulhado que também funciona como depósito. E ainda um banheiro horrível, com chuveiro frio, sem espelho, sem chuveirinho e com papel higiênico diferenciado e da pior qualidade.

• Levar a funcionária para uma festa de criança e não oferecer uma bebida, um salgadinho e quiçá uma fatia de bolo. Toda mãe anfitriã sabe que alimentar a babá faz parte do pacote e, quando contrata uma festa, já deve contar com esse contingente.

• Fiscalizar e racionar alimentos. Já ouvi histórias de quem faz marca no pote de requeijão para poder controlar o consumo. Aqui em casa a comida sempre foi a mesma para todos, pois onde comem dois comem três. Entendo que, com muito mais gente trabalhando na casa, nem sempre dê pra servir a mesma comida dos patrões a todo o staff. Mas acho importante ter a preocupação de oferecer uma dieta balanceada e procurar saber as preferências, pois se a sua funcionária gosta de uma ou outra coisa que você não tem hábito de comer, não custa nada incluir na lista de compras. Pode ser até mais econômico. Também já ouvi histórias de gente que prepara um único tipo de comida em grande quantidade e espera que a empregada coma essa mesma comida dia e noite por três, quatro dias seguidos.

• Se você tem uma folguista exclusiva e decide viajar no fim de semana, o problema é seu e não dela, que estava à sua disposição. Acho que o justo e esperado é pagar pelo fim de semana dela. Se der pra ela repor essa jornada em outras ocasiões, melhor dos mundos, mas isso não deve ser condição para manter o emprego.

•Nesse calor senegalês, ter ar-condicionado ligado em quase todos os cômodos da casa, mas não disponibilizar ao menos de um ventilador na cozinha ou no quarto de empregada. Quando instalei, ano retrasado, sete splits na minha casa nova, achei justo colocar um também no quarto de empregada. Sei que é um luxo com o qual nem todos podem arcar, mas cito só pra mostrar que na vida a gente precisa ser coerente e valorizar as pessoas que nos servem.

• Maus-tratos e humilhações. Patroas que gritam com suas funcionárias estão abaixo da crítica.

• Hoje em dia muitas babás têm Facebook e Whatsapp, e isso é uma distração, um entretenimento pra elas. Não vejo nada demais em fornecer a senha da internet da casa se houver uma disponível e permitir que elas usem com moderação. Dê sempre um voto de confiança antes de sair dizendo que as pessoas vão abusar.

• Patroa que não confia, não delega, monitora tudo por câmeras e é neurótica com limpeza. Do tipo que surta com um fio de cabelo caído no chão e exige que o quarto do bebê seja limpo com álcool vinte vezes por dia.

• O sistema de troca de dias precisa ser justo. Se você pede à funcionária que trabalha durante a semana que fique no sábado, domingo ou feriado com o bebê, precisa pagar mais por isso. Por lei, sábado vale uma diária + 50%; e domingo, uma diária dobrada.

• Ser paranoica com as vacinas do bebê, mas não dar a menor importância para a saúde da cuidadora, que tanto pode impactar na saúde do seu filho. Um bom exemplo disso é ignorar que a babá também precisa ser vacinada, por exemplo, contra coqueluche, doença em evidência cuja vacina não é coberta pela rede pública. No caso de exigir que ela seja vacinada, não esquecer de arcar com o custo. Outra coisa absurda é exigir que a funcionária trabalhe doente, achando que uma simples máscara resolve.

• Atrasar salário é inadmissível. Se possível, não pagar com notas altas, tão difíceis de trocar.

• Patroas que aplicam o constrangedor teste do dinheiro. Exemplo: jogam algum dinheiro no chão fingindo que foi um acidente para ver se elas devolvem; ou ao pagar o salário, dizem que não se lembram da quantia, para ver se a empregada tenta levar vantagem.
• Patroas que fazem questão de que a funcionária deixe todo o uniforme na casa na hora da demissão.

• Chega um momento em que é preciso confiar, permitir que a cuidadora saia na rua sozinha com o seu filho, nem que seja para dar um pulo na pracinha. O confinamento é enlouquecedor para qualquer pessoa.

• Uma mesma situação com duas posturas extremas: uma mãe que quer que a babá desapareça e proíbe sua circulação pela casa quando ela estiver amamentando ou brincando com o filho; e a outra que espera que a babá fique de sentinela, plantada em pé, no canto do ambiente, como um cão de guarda.

• Segregação. Patroas que querem sair com babá a tiracolo, mas esperam que ela se porte como um séquito e fique sempre três passos atrás. E que, de preferência, se torne invisível quando estão entre seus pares.

• Patroas que esperam que a funcionária fique confinada no quarto de empregada, fazendo até mesmo as refeições no aposento, pois não gostam que ela se sente à mesa. Se o seu apartamento só tem uma cozinha americana, azar o seu.

Resumo da ópera: trate os outros como gostaria de ser tratado. E, se quiser lealdade, respeito, admiração e confiança por parte da sua funcionária, tem que fazer por onde!

 

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