Maternidade drive-through

Estava em Londres em 2013 quando nasceu o príncipe George. Foi contagiante ver a euforia do povo nas ruas com a chegada do royal baby boy. A torre de Londres foi iluminada de azul e os anúncios do Piccadilly Circus pipocavam a cada instante parabenizando o casal. No último sábado, a cidade deve ter vivido o mesmo alvoroço com a chegada de Charlotte Elizabeth Diana.

O que ninguém esperava, no entanto, era ver Kate saindo da maternidade 10 horas depois de dar à luz, linda, escovada e maquiada. Tem gente até apostando que esse bebê nasceu antes do que a imprensa divulgou. A duquesa de Cambridge estava até de salto alto e não tinha o rosto inchado característico de qualquer mortal pós-parto. Pela primeira vez não tive inveja de uma vida de princesa, com tantos ossos do ofício que seriam pra mim um enorme sacrifício.

De tudo que li, me chamou a atenção o questionamento que surgiu a partir dessa conduta da família real britânica. Os médicos brasileiros rapidamente concederam entrevistas criticando o nosso modelo, pois aqui, segundo eles, a mãe permanece tempo demais internada, ocupando uma “vaga” nas concorridas maternidades.

Pra mim, no caso de Kate e William, o fator determinante para a volta tão precoce pra casa foi a consciência do tumulto causado na maternidade do hospital St. Mary. Ter um filho em hospital, apesar de particular e em ala privativa, é o exemplo politicamente correto que a família real precisa difundir. Mas pensem nas outras mães que deram o azar de entrar em trabalho de parto naquele mesmo dia e precisaram contar com aquele hospital. Que alívio devem ter sentido ao ver o casal partir…

É incoerente comparar Kate com uma mãe plebeia. Kate não é parâmetro. Ela deve ter contado com uma superestrutura aguardando em casa. É como querer parir com a mesma coragem de Gisele Bündchen, ativista do parto humanizado, que trouxe seus dois filhos ao mundo na banheira de casa, provavelmente amparada por uma UTI de plantão no jardim (não garanto que essa informação procede, os sites só fazem suposições).

Hospital não é hotel, mas dois ou três dias me parece um prazo mínimo e razoável para qualquer parturiente se sentir segura pra voltar pra casa. Principalmente quando se trata de um primeiro filho. As mulheres que são submetidas a uma cesariana realizam uma cirurgia que pode ter suas complicações. Lidar com a recuperação de ter tido sete camadas de pele, uma camada de gordura e outra de músculos cortadas até atingir o útero, todas tendo que levar pontos depois, não é pouca coisa.

Lembro como foi sofrido voltar pra casa 48 horas depois do nascimento do Felipe deixando meu filho pra trás, internado na UTI. Tudo que eu queria era mais tempo perto dele, cercada de médicos e informação. Ter tido um parto normal me deu condições de me locomover com facilidade poucas horas depois de ele nascer (mas muito longe de conseguir botar um salto). Por outro lado, forçou minha alta hospitalar antes do que eu desejava.

Encontrei um texto muito interessante de Helenilce de Paula F. Costa que lista as desvantagens de uma alta precoce e justifica o tempo de permanência hospitalar do recém-nascido que adotamos no Brasil. Confiram um trecho que destaquei pra fechar o post. E encerro a parte que me cabe reforçando que Kate é exceção.

“O tempo de permanência hospitalar vem decrescendo em vários países e esta tendência tem sido incorporada no Brasil, particularmente na obstetrícia, sempre que a puérpera e o seu recém-nascido (RN) forem pessoas com saúde.

A Academia Americana de Pediatria (AAP) em conjunto com o Colégio Americano de Obstetrícia e Ginecologia (ACOG), em 1992, definiram como alta precoce aquela que ocorre dentro das primeiras 48 horas (h) pós-parto e alta muito precoce aquela que ocorre dentro das primeiras 24h. Foi também recomendado que o tempo médio de internação para parto normal não complicado deveria ser de 48h e de 96h para cesariana.

No nosso meio não existe uma definição oficial sobre o tempo de permanência hospitalar pós-parto, havendo referência na Portaria número 1.016 do Ministério da Saúde, publicada no Diário Oficial da União número 167, de 1o de setembro de 1993: ‘As altas não deverão ser dadas antes de 48 horas, considerando o alto teor educativo inerente ao sistema de Alojamento Conjunto e, ser este período importante na detecção de patologias neonatais’.

Os entusiastas da alta precoce afirmam que ela é segura e vantajosa do ponto de vista médico, social e econômico por reduzir o número de infecções hospitalares, satisfazer a vontade dos pais com menor tempo de internação e diminuir custos hospitalares.

Entretanto, as desvantagens desse tipo de alta são inúmeras:

  1. Pouco tempo para orientar sobre o aleitamento materno e lidar com a ansiedade dos pais em cuidar do seu filho;
  1. Falha na identificação de problemas neonatais e maternos, como: icterícia, cardiopatias congênitas canal dependente, megacolo, obstruções gastrintestinais e endometrite, que podem se tornar aparentes durante os primeiros dias pós-parto e requerem um período de observação mais longo por pessoal qualificado e experiente;
  1. Falência na identificação de problemas nutricionais precoces;
  1. Não realização da triagem neonatal para erros inatos do metabolismo e hipotiroidismo;
  1. Maior número de reinternações consequentes à icterícia, desidratação associada à ingestão inadequada, hipertermia e sepse com agravos à saúde;
  1. Ausência de diminuição de custos, pois um programa adequado de seguimento ficaria tão caro quanto o prolongamento da internação.

Além disso, a estadia hospitalar da mãe e do RN é importante para identificar problemas e certificar de que a mãe está suficientemente segura e preparada para cuidar dela e de seu filho em casa.

Não temos até o momento nenhuma evidência científica de que a alta precoce seja segura na ausência de orientações pré-alta documentadas e de acompanhamento bem planejado e executado por profissionais qualificados.”

 

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